O presidente da República visitou o estado de Roraima para acompanhar a situação da saúde na terra indígena, na qual classificou como “desumana”.
A reportagem é de Felipe Medeiros e Leanderson Lima, publicada por Amazônia Real, 21-01-2023.
“O que eu posso dizer para você é que não vai existir mais garimpo ilegal e eu sei da dificuldade de tirar o garimpo ilegal. Eu sei que já se tentou outras vezes tirar e eles voltam, mas nós vamos tirar. Lamentavelmente, eu não posso dizer para você até quando, o que eu posso dizer é que nós vamos tirar”, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), neste sábado (21), ao responder à pergunta da agência Amazônia Real em coletiva à imprensa, em Boa Vista (RR), sobre a principal reivindicação do líder Davi Yanomami, que é retirar os cerca de 30 mil garimpeiros do território. Lula foi à capital de Roraima para acompanhar as ações de saúde no estado, onde 99 crianças yanomami morreram de desnutrição extrema e malária.
Em entrevista exclusiva à Amazônia Real, Davi Yanomami disse que cobrou ao presidente Lula a promessa feita na campanha eleitoral de 2022, em que derrotou Jair Bolsonaro. “A morte das nossas crianças na terra Yanomami e os quatro anos de governo que ficou comandando [Bolsonaro], matou o meu povo, matou meus filhos na comunidade, ele só estragou a saúde”, acusou Davi Yanomami. As crianças com idades entre um a quatro anos morreram no ano passado.
Na coletiva, Lula disse que a situação dos yanomami é desumana. “Se alguém te contasse que aqui em Roraima tinha pessoas sendo tratadas de forma desumana, como eu vi o povo Yanomami ser tratado aqui, eu não acreditaria. Eu, por um acaso, tive acesso a umas fotos esta semana. As fotos, efetivamente, me abalaram, porque a gente não pode entender como um país que tem as condições que tem o Brasil deixa os nossos indígenas abandonados como eles estão aqui”. O presidente não informou se existe um plano do governo para a desintrusão, que é a retirada efetiva dos garimpeiros do território pelas forças de segurança.
Lula e Davi Yanomamo durante visita presidencial em Boa Vista - RR | Foto: Ricardo Stuckert/PR
Lula chegou em Boa Vista acompanhado da primeira dama Janja Lula da Silva; do ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias; da ministra da Saúde, Nísia Trindade; da ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara; do ministro da Justiça e Segurança, Flávio Dino; de José Múcio, ministro da Defesa; de Silvio Almeida, dos Direitos Humanos; e da presidente da Fundação dos Povos Indígenas (Funai), Joênia Wapichana, entre outras autoridades.
Para a surpresa dos eleitores bolsonaristas, o governador Antonio Denarium (PPS), que foi um dos principais responsáveis por inúmeras ações a favor da mineração ilegal no território indígena Yanomami, a maior do Brasil, também recebeu Lula durante a visita ao Estado.
Na entrevista, Davi explicou como é o quadro da saúde dos yanomami e quantas mortes -por diversas doenças, incluindo Covid-19 -, foram contabilizadas no ano de 2022: “O garimpo mata qualquer pessoa, qualquer animal, a vida do rio. São 577 crianças indígenas yanomami que morreram em quatro anos”, acusa.
Ainda na coletiva, Lula também acusou Bolsonaro pela calamidade na saúde indígena. “Sinceramente o presidente que deixou a presidência [Bolsonaro] esses dias, se ao invés de fazer tanta motociata, tivesse vergonha e viesse aqui uma vez, quem sabe essas pessoas não estivessem tão abandonadas como estão”.
A reportagem também ouviu o líder histórico dos garimpeiros, o minerador José Altino Machado. Sobre a eleição de Lula, ele afirmou: “É consenso para o pessoal do garimpo, o resultado das eleições nós estamos respeitando, foi reconhecida a eleição dele, ele é o presidente da República”. Mas Machado criticou os números de mortes de crianças Yanomami apresentados pelo governo.
“Mas Lula, por favor e pela governabilidade nacional, não seja movido por mentiras que tomam espaço na vida política do país. É um exagero dizer que 100 crianças yanomami morreram por desnutrição. Que morreram envenenadas por mercúrio mais de 500. É preciso provar, os garimpeiros que estão lá trabalham com cassiterita, não usam mercúrio”.
Na sexta-feira (20), o presidente Lula assinou um decreto de emergência em saúde pública na Terra Indígena Yanomami. O decreto, também assinado pelas ministras Sonia Guajajara e Nísia Trindade, institui o Comitê de Coordenação Nacional para Enfrentamento à Desassistência Sanitária e prevê a criação de ações de enfrentamento à crise sanitária no território Yanomami, e aos problemas sociais e de saúde dela decorrentes, no prazo de 45 dias.
A ministra Sonia Guajajara disse que a comitiva em Boa Vista foi para constatar a situação grave da saúde e tomar todas as medidas cabíveis.
“Precisamos também responsabilizar a gestão anterior por ter permitido que essa situação se agravasse ao ponto de chegar aqui e a gente encontrar adultos com peso de crianças e crianças em situação de pele e osso”.
A comitiva de Lula em Boa Vista levou lideranças indígenas, defensores dos direitos humanos e ativistas a realizar atos de protestos contra o garimpo. Eles estenderam faixas com as frases “fora garimpo” e “desintrusão já” pedindo uma solução para o conflito que se arrasta há décadas.
O artista plástico e ativista Bartô Macuxi afirmou que “os povos indígenas estavam precisando deste momento, porque não aguentavam mais esse desmando, esse genocídio em terra Yanomami, lama, mercúrio, violência e doenças”.
“Então, o que estávamos esperando era que o presidente Lula ganhasse as eleições primeiro, e depois uma resposta na Funai. Foi criado o Ministério dos Povos Indígenas que é importante para nós, e eu acho que agora tem tudo para acontecer um trabalho em conjunto, de repente com a Força Nacional, com o Exército, com a Polícia Federal para retirar os garimpeiros”, completou.
Evilene Paixão, ativista dos movimentos sociais, disse que a retomada das pautas do movimento indígena valoriza a vida dos povos. “Muitas crianças morreram no governo Bolsonaro. Ele [Lula] está vindo aqui, está retomando o Brasil, retomando as nossas pautas, as nossas lutas, e aqui em Roraima é prioridade a vida dos povos indígenas porque eles estão morrendo diariamente por conta do garimpo, invadido na época do governo Bolsonaro”.
Equipes do Ministério da Saúde estão desde a última segunda-feira (16) no território indígena Yanomami, que conta com uma população estimada de 30,4 mil indígenas. As equipes encontraram crianças e idosos em estado grave de saúde. Além da desnutrição grave, os indígenas enfrentam problemas com malária, infecção respiratória aguda (IRA) entre outros problemas de saúde. A missão deve continuar em Roraima até a próxima quarta-feira (25), para apresentar um levantamento completo sobre a situação crítica do povo Yanomami. O presidente Lula prometeu retornar ao estado em março deste ano para visitar a Terra Indígena Raposa Serra do Sol.
Um dia antes de Lula visitar Roraima, na sexta-feira (20), a Polícia Federal de Roraima prendeu em flagrante um homem que o ameaçou de morte. Em uma rede social, o suspeito teria dito que era “a hora de colocar a bala na cabeça dele”, referindo-se a Lula. O preso foi encaminhado ao sistema prisional, onde permanecerá à disposição da Justiça, conforme divulgou a assessoria da PF de Roraima.
Nas últimas eleições presidenciais, Boa Vista, em Roraima, saiu do pleito como a capital mais bolsonarista do Brasil. Ali, o ex-presidente Jair Bolsonaro recebeu 144.799 votos contra 37.412 votos para Lula, o que equivale ao percentual de 79,47% a 20,53%.